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Boletim

PRIVACIDADE E PROTEÇÃO DE DADOS

ECA Digital: impacto nas Empresas de Tecnologia

Em 17 de março de 2026, entrará em vigor a Lei nº 15.211/2025, conhecida como Estatuto Digital da Criança e do Adolescente (ECA Digital). A norma estabelece diretrizes e obrigações voltadas à proteção de crianças e adolescentes em ambientes digitais, com o objetivo de ampliar os direitos fundamentais previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990) e harmonizá-los com o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) e a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018).

Um dos pontos centrais do ECA Digital é o seu amplo âmbito de aplicação. A lei alcança todos os fornecedores de produtos e serviços de tecnologia da informação – como redes sociais, aplicativos, jogos eletrônicos e lojas virtuais – que sejam direcionados ou tenham acesso provável por crianças e adolescentes no Brasil, independentemente do local de desenvolvimento, comercialização ou operação. Essa característica confere à norma uma aplicabilidade a empresas nacionais e estrangeiras que operam no ecossistema digital brasileiro.

Principais Obrigações e Vedações

Entre as principais obrigações dos fornecedores a serem adotadas como padrão, destacam-se:

  • Proteção e segurança: adoção de mecanismos de verificação de idade; estabelecimento de controles parentais acessíveis; e vinculação das contas de menores de 16 anos em redes sociais a um responsável legal; 
  • Moderação de conteúdo: possibilitar a interação em jogos eletrônicos com garantia de proteção contra contatos prejudiciais; adoção de mecanismos reforçados para identificação, priorização e remoção de conteúdos potencialmente nocivos a menores de idade;
  • Tratamento de dados pessoais: armazenamento de dados relacionados aos conteúdos e usuários envolvidos para eventuais investigações; e fornecimento de nível mais elevado de privacidade e proteção de dados como padrão, informando de forma clara, acessível e adequada os riscos ao optar por configurações menos protetivas; 
  • Transparência e relatórios: disponibilização de informações claras sobre riscos identificados e medidas adotadas; canais de denúncias para conteúdos nocivos; e relatórios periódicos de cumprimento de obrigações, para fornecedores com mais de 1 milhão de usuários menores; 
  • Prevenção e controle: desenvolvimento de material e disponibilização de programas educativos de conscientização direcionados a crianças, adolescentes, pais e educadores; e reporte às autoridades de conteúdo que indique situações de exploração, abuso sexual, sequestro ou aliciamento.

Além das obrigações acima, o ECA Digital proíbe de forma expressa o seguinte: 

  1. disponibilização de “loot boxes” (caixas de recompensas) – aquisição, mediante pagamento, de itens ou vantagens para uso em jogos, sem que o jogador tenha conhecimento prévio de seu conteúdo, ou garantia de sua utilidade; 
  2. uso de técnicas de perfilamento, análise emocional, realidade aumentada em publicidades direcionadas a crianças e adolescentes; e 
  3. monetização e/ou impulsionamento de conteúdos erotizados envolvendo menores de 18 (dezoito) anos.

Fiscalização e Sanções aplicáveis 

A fiscalização do cumprimento das novas obrigações terá início a partir de 17 de março de 2026, data a partir da qual todos os agentes sujeitos à lei deverão estar adequados às regras do ECA Digital. O descumprimento das obrigações pode acarretar as seguintes sanções:  

  1. Advertências;
  2. Multas de até 10% do faturamento do grupo econômico no Brasil no seu último exercício ou, caso não haja faturamento, multa de R$ 10,00 até R$ 1 mil por usuário cadastrado do provedor sancionado, limitada, no total, a R$ 50 milhões por infração; e
  3. Suspenção temporária das atividades.

A fiscalização, a aplicação das normas e das penalidades ficará a cargo da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (“ANPD”), transformada em agência reguladora nos termos do Decreto nº 12.622/2025, com autonomia técnica administrativa e decisória, com poderes até mesmo para editar normas complementares a fim de regulamentar os dispositivos. Sua atuação será articulada junto à Anatel, que providenciará o encaminhamento de ordens judiciais de bloqueio a provedores de conexão, bem como o Comitê Gestor da Internet (CGI.br). 

Desafios de implementação 

A implementação do ECA Digital, cuja promessa é ampliar a proteção de crianças e adolescentes no ambiente online, enfrentará diversos desafios. O primeiro deles envolve as adaptações necessárias nas plataformas e a própria operacionalização da nova norma, o que mobilizará tanto o mercado quanto a ANPD.

A Agência já sinalizou três pontos prioritários para regulamentação:

(i) a definição de conceitos gerais sobre a aplicação do ECA Digital, com a elaboração de um guia destinado a orientar o mercado;

(ii) os mecanismos de aferição de idade, considerados pilares essenciais para o funcionamento e a efetividade da lei; e

(iii) os regulamentos de fiscalização e dosimetria, uma vez que a área fiscalizatória da ANPD deverá aplicar dois regimes sancionatórios distintos (LGPD e ECA Digital) e operá-los dentro do sistema regulatório.

Vale destacar que, para reforçar essa estrutura, a ANPD já contratou novos servidores, ampliando sua capacidade operacional em atividades de regulação e fiscalização.

Outro ponto relevante em debate é a extensão da responsabilidade dos fornecedores. Conforme o artigo 15 do ECA Digital, o cumprimento das obrigações não se limita aos fornecedores diretos de produtos e serviços, de modo que todos os agentes da cadeia digital podem ser responsabilizados em caso de descumprimento. No entanto, como a lei não define expressamente o conceito de “agentes da cadeia digital”, a identificação desses atores dependerá da interpretação dos modelos de oferta dos produtos e serviços, o que tende a gerar discussões sobre os limites de responsabilidade.

O ECA Digital constitui um marco regulatório importante para a proteção de crianças e adolescentes em ambientes virtuais. Sua aplicação exigirá ajustes significativos em produtos, serviços e nos processos de governança das empresas que atuam no setor. Considerando o início da fiscalização em 17 de março de 2026, é essencial que os fornecedores abrangidos pela norma priorizem a revisão de suas políticas e planos de conformidade, implementando medidas técnicas, organizacionais e de transparência compatíveis com os riscos e obrigações previstos.

24 de novembro de 2025