Análise da Lei nº 15.252/2025: Enquadramento Jurídico-Regulatório e Impactos Estratégicos para as Instituições Reguladas pelo Banco Central
1. Introdução
A Lei nº 15.252/2025 representa mais um marco na modernização da regulação financeira voltada ao consumidor digital. Inspirada pelos princípios de simplicidade, transparência e proteção ao usuário, a norma consolida novos direitos, como a portabilidade salarial automática, o débito automático interinstitucional, a transparência digital reforçada e o crédito com juros reduzidos, além de impor padrões de operação e comunicação que afetam todas as instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil.
2. Portabilidade Salarial Automática: Open Finance e Captação Digital como Estratégia
A previsão da portabilidade automática de salários (art. 2º, I; art. 4º) não se limita à transferência de valores entre contas: ela inaugura um modelo de mobilidade financeira baseado em interoperabilidade, integração de dados e jornada digital fluida.
A obrigatoriedade de que a adesão seja oferecida por canais digitais (art. 4º, §2º) eleva o padrão de usabilidade exigido de fintechs, IFs e IPs. Para instituições de pagamento que operam contas pré-pagas ou de pagamento, a lei exige uma experiência digital tão eficiente quanto a dos bancos digitais, reforçando a necessidade de plataformas intuitivas, robustas e integradas ao Open Finance.
O compartilhamento de dados essenciais (CNPJ do empregador, valores líquidos, deduções e histórico de 12 meses) conforme o art. 5º, §4º, amplia a capacidade de IFs, IPs e fintechs de modelar produtos personalizados e avaliar risco com maior precisão, fortalecendo a competição na captação de clientes.
Um ponto crítico é a vedação à recusa imotivada da portabilidade. O art. 5º, §2º, determina que a instituição contratada só pode recusar o pedido mediante justificativa clara e objetiva, informada ao beneficiário em até dois dias úteis. Isso exige processos decisórios quase imediatos, automatização de backoffice e trilhas de auditoria.
3. Débito Automático Interinstitucional: Redução de Inadimplência com Consentimento Estruturado
A Lei também inova ao criar o direito ao débito automático entre instituições (art. 2º, II; art. 7º), que funciona como um mecanismo de mitigação de inadimplência, permitindo que a instituição credora determine o débito em conta de depósito ou em conta de pagamento pré-paga do tomador.
Esse ponto é particularmente relevante para as instituições de pagamento. O art. 7º expressamente inclui contas de pagamento pré-pagas como passíveis de débito automático, o que significa que IPs passam a atuar como instituições depositárias para fins de liquidação interinstitucional. Elas terão de desenvolver mecanismos de recebimento, validação e execução de ordens de débito emitidas por instituições credoras, despesas que, até então, eram pouco comuns em modelos baseados apenas em contas pré-pagas.
O art. 9º exige que a IP ou IF depositária só recuse a operação mediante justificativa clara, e, conforme o parágrafo único, essa justificativa deve ser comunicada à instituição destinatária (credora). Esse fluxo exige interoperabilidade plena entre os sistemas de IFs, IPs e fintechs, algo que será detalhado pela regulamentação do BCB (art. 11).
4. Transparência nas Plataformas Digitais e Deveres de Conformidade
O Capítulo IV reforça que o direito à informação deve ser operacionalizado por meio de interfaces digitais claras, acessíveis e padronizadas, exigência que se estende a todas as instituições autorizadas pelo BCB, incluindo aquelas que oferecem contas de pagamento, cartões pós-pagos, crédito rotativo, parcelado e outros instrumentos pós-pagos.
A vedação expressa de exibir limites de crédito como se fossem saldo de conta (art. 12, parágrafo único) atinge diretamente instituições de pagamento que operam contas digitais, que precisarão separar com rigor o saldo disponível do limite de crédito.
A lei também exige que alterações de juros sejam comunicadas com antecedência mínima de 30 dias (art. 13, I), com cancelamento facilitado e totalmente digital (art. 13, §1º). Isso impacta diretamente a forma como os aplicativos e plataformas digitais das instituições são estruturados, devendo oferecer workflows de cancelamento simples, rastreáveis e acessíveis. No caso de crédito rotativo ou pré-aprovado, as instituições devem ainda: (i) informar alternativas menos onerosas (art. 12, II, b), e (ii) emitir alertas destacados sobre o débito (art. 12, II, c).
Essas regras elevam o dever de transparência para um patamar de educação financeira integrada ao produto, impedindo que os aplicativos criem jornadas de crédito que favoreçam o endividamento por desconhecimento.
O art. 14 acrescenta obrigações éticas específicas para produtos de alto risco, impondo às áreas de marketing de todas as instituições autorizadas o dever de não induzir ao uso excessivo e sempre destacar riscos de crédito.
As referidas alterações legislativas reforçam o dever de informação previsto no Código de Defesa do Consumidor (art. 6º, inciso III), bem como o cuidado que as instituições reguladas devem ter com relação à oferta de produtos e serviços financeiros, notadamente de crédito (arts. 6º XI e 54-B), visando práticas de uso do crédito de forma responsável, com educação financeira e, especialmente, a prevenção e tratamento ao superendividamento.
5. Crédito com Juros Reduzidos: Um Novo Modelo Jurídico de Garantia
A criação da modalidade de crédito com juros reduzidos (art. 2º, IV; arts. 15 e 16) é aplicável a operações firmadas perante todas as instituições autorizadas pelo BCB. Essa modalidade concede ao credor prerrogativas processuais relevantes, como a citação eletrônica, a comprovação digital da mora, a penhora de valores acima de 20 salários mínimos e a irrevogabilidade do débito automático.
Para as instituições de pagamento, a implicação é significativa: ao operarem contas de pagamento usadas como base da irrevogabilidade do débito, elas passam a integrar o fluxo de garantia da operação, reforçando seu papel no ciclo de crédito, ainda que não sejam elas próprias as concedentes.
Um ponto operacional crítico é o prazo de 48 horas para atualização do endereço eletrônico e telefone do tomador (art. 16, §3º). Como tais dados passam a servir de domicílio judicial, as instituições deverão priorizar processos de atualização cadastral com automação e rastreabilidade, sob pena de nulidade de citações ou atrasos processuais.
6. Pontos Complementares de Relevância Jurídico-Regulatória
Apesar da análise já cobrir os principais eixos da Lei nº 15.252/2025, alguns dispositivos adicionais merecem atenção específica por parte das áreas jurídicas, regulatórias e de compliance, pois representam obrigações práticas relevantes e oportunidades estratégicas para credores.
Um deles é o dever de assessoramento ao devedor em situação de inadimplência persistente, previsto no art. 12, IV. A norma exige que, nos casos de saldo devedor vencido de forma recorrente, a instituição ofereça informações claras e orientação ao tomador de crédito, incluindo medidas como planos de renegociação facilitados ou recursos de educação financeira. Essa obrigação impõe uma atuação proativa das instituições e demanda estruturação de protocolos, canais dedicados e treinamento de equipes, sob pena de violação ao dever legal de suporte.
Além disso, o art. 10 da Lei prevê que o tomador de crédito poderá revogar a autorização de débito automático, salvo nas operações com juros reduzidos (art. 16, IV). Esse direito representa um contrapeso relevante ao poder atribuído à instituição credora, exigindo que as instituições desenvolvam fluxos digitais seguros e auditáveis para permitir a revogação de forma eficaz, em conformidade com os termos que ainda serão regulamentados pelo Banco Central.
7. Conclusão e Perspectivas
A Lei nº 15.252/2025 integra plenamente as Instituições de Pagamento ao ecossistema de crédito e de proteção do consumidor, atribuindo-lhes papéis centrais na interoperabilidade, no débito automático, na transparência digital e, potencialmente, na estrutura de garantias.
O prazo de 180 dias para regulamentação pelo CMN e pelo BCB (art. 17) representa um período crítico de adaptação para todo o sistema regulado. Nesse intervalo, as instituições precisarão revisar seus processos internos, ajustar fluxos digitais e alinhar suas estruturas tecnológicas às novas exigências legais, garantindo que a jornada do usuário, os mecanismos de consentimento, as rotinas de atualização cadastral e as integrações operacionais atendam aos padrões definidos pela lei, destacando-se a necessidade garantir o acesso pelos clientes à todas informações sobre os produtos e serviços, de forma clara e precisa, no momento da oferta e/ou contratação.
Este boletim tem caráter informativo e não deve ser considerada como aconselhamento jurídico.