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Boletim

BANCÁRIOS E FINTECHS

O Novo Marco Regulatório do Banco Central para Ativos Virtuais: análise das Resoluções BCB nº 519, 520 e 521/2025

1. Contexto

O Banco Central do Brasil (BCB) publicou, em 10 de novembro de 2025, as Resoluções BCB nº 519, 520 e 521, que regulamentam a Lei nº 14.478/2022 (Marco Legal dos Ativos Virtuais) e instituem o regime de autorização, funcionamento e supervisão das Sociedades Prestadoras de Serviços de Ativos Virtuais (PSAVs).

As normas entram em vigor em 2 de fevereiro de 2026, inaugurando um novo ciclo regulatório no país. O conjunto normativo concretiza o mandato legal conferido ao BCB de autorizar, supervisionar e fiscalizar as PSAVs, e alinham o setor cripto aos padrões prudenciais e de integridade já aplicáveis às instituições financeiras (IFs) e instituições de pagamento (IPs).

2. Resolução BCB nº 519/2025 – Processo de Autorização

A Resolução BCB nº 519/2025 disciplina os procedimentos de autorização para funcionamento das PSAVs, bem como de corretoras de câmbio e distribuidoras de valores mobiliários, estabelecendo um mecanismo de entrada rigoroso, inspirado no regime de autorização aplicável às instituições financeiras. O dispositivo confere ao Banco Central o poder de avaliar a idoneidade, capacidade financeira, governança e adequação operacional das entidades que pretendam ingressar no mercado regulado.

A. O poder de investigação e o risco de reputação ampliado

O BCB ampliou o escopo de verificação de idoneidade e capacidade, adotando um modelo de due diligence aprofundada:

  1. Acesso a dados fiscais e patrimoniais: o Banco Central pode requerer autorização expressa para que a Receita Federal forneça cópias das declarações de bens, direitos e rendimentos dos três últimos exercícios fiscais dos controladores e administradores.
  1. Acesso a cadastros públicos e privados: o regulador pode consultar informações constantes de bases de dados, processos administrativos, judiciais e inquéritos policiais.
  1. Convocação para entrevista: o BCB poderá convocar controladores e administradores para entrevistas presenciais, reforçando o controle de integridade.
  1. Sede física exclusiva: é vedado o uso de coworkings ou escritórios virtuais como sede operacional, salvo entre empresas de um mesmo conglomerado.
  1. Participação qualificada: define-se como tal a detenção direta de 15% ou mais do capital votante ou 10% ou mais do capital total, quando este não for integralmente composto por ações com direito a voto.

B. Regime de transição para PSAVs em atividade

As PSAVs que já estiverem em operação na data de entrada em vigor da norma estarão sujeitas a um regime transitório de autorização, estruturado em duas etapas: 

  • Fase 1: comprovação de operação prévia, reputação e capital mínimo.
  • Fase 2: análise de capacidade financeira, considerando o histórico de lucros recorrentes e patrimônio líquido dos últimos cinco anos.

Nessa fase, será permitido que continuem operando enquanto o pedido de autorização estiver em análise pelo Banco Central, desde que o requerimento seja protocolado no prazo máximo de 270 dias, ou seja, até 30 de outubro de 2026. Se o pedido for indeferido ou arquivado, a PSAV deverá cessar suas atividades em 30 dias, comunicar clientes e devolver integralmente os ativos e recursos sob custódia.

O BCB formaliza um modelo de “gatekeeping regulatório” que transforma o ingresso no mercado de ativos virtuais em um processo de qualificação institucional, eliminando espaços de operação informal.

3. Resolução BCB nº 520/2025 – A Adaptação ao Padrão SPB: Segregação e PLD/FT

A Resolução BCB nº 520/2025 eleva o patamar de conformidade das PSAVs, incorporando integralmente a lógica da Lei nº 12.865/2013, aplicável às Instituições de Pagamento. A norma não apenas impõe segregação patrimonial e governança, mas também consolida deveres de compliance, reporte contábil, segurança cibernética e rastreabilidade internacional.

A. Segregação patrimonial e proteção do cliente

O BCB impõe às PSAVs o mesmo padrão de separação de recursos já exigido das IPs, garantindo a proteção integral dos fundos dos usuários:

  1. Recursos financeiros: devem ser mantidos em contas individualizadas, segregadas dos recursos próprios da instituição.
  1. Ativos virtuais: devem ser segregados em carteiras distintas, com provas de reservas (proof of reserves) e auditoria independente bienal, cujos relatórios deverão ser divulgados publicamente.
  1. Vedação ao reuso: é proibida a utilização de ativos de clientes em operações próprias, salvo em hipóteses específicas (staking ou com investidores qualificados), mediante anuência expressa do cliente.

B. PLD/FT e rastreabilidade

O BCB reforça significativamente a política de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo (PLD/FT). Exige-se a identificação obrigatória do originador e do beneficiário, com a inclusão de dados completos da conta de pagamento, depósito e da carteira de ativos virtuais envolvida em cada transação, assegurando a rastreabilidade integral do fluxo financeiro e digital.

Adicionalmente, a norma estabelece proibição expressa do uso de mecanismos de anonimização ou de qualquer ferramenta que dificulte ou oculte a identificação da origem e do destino dos ativos virtuais, por serem considerados incompatíveis com os princípios de integridade, rastreabilidade e transparência que regem o sistema financeiro e o mercado supervisionado pelo Banco Central.

C. Governança, segurança cibernética e integridade operacional

A Resolução BCB nº 520/2025 reforça a necessidade de uma estrutura de governança robusta, exigindo que as PSAVs mantenham mínimo de três diretores estatutários responsáveis por áreas essenciais à supervisão prudencial: condução de negócios, controles internos, PLD/FT, gestão de riscos e segurança cibernética.

No campo tecnológico, a norma impõe padrões elevados de segurança e continuidade operacional, determinando a realização de testes periódicos de vulnerabilidade em sistemas e contratos inteligentes (smart contracts), com revisão por analistas independentes e implementação de planos de mitigação de incidentes, inclusive para operações com protocolos de Finanças Descentralizadas (DeFi).

Essas exigências se somam ao dever de rastreabilidade integral das transações, prevista na Travel Rule, cuja implementação ocorrerá em duas etapas: até fevereiro de 2027, entre PSAVs estabelecidas no Brasil, e até fevereiro de 2028, abrangendo transações internacionais. O cronograma progressivo assegura a adaptação tecnológica e a harmonização com os padrões internacionais de compliance e transparência (GAFI/FATF).

Por fim, a Resolução complementa o regime prudencial com dispositivos voltados à integridade e à estabilidade do mercado, estabelecendo a vedação à concessão de crédito e à captação de recursos do público, ressalvada a hipótese de emissão de ações. O normativo também proíbe a emissão e a oferta de ativos virtuais referenciados em moeda fiduciária cujo mecanismo de estabilização de valor dependa exclusivamente de algoritmos ou fórmulas automáticas.

D. Vedação a operações com PSAVs não autorizadas

A partir de 30 de outubro de 2026, as instituições financeiras, de pagamento e demais entidades autorizadas a funcionar pelo Banco Central ficam proibidas de realizar, intermediar ou custodiar operações com entidades prestadoras de serviços de ativos virtuais que não estejam autorizadas ou em processo de autorização.

A vedação compreende operações de câmbio, custódia, intermediação, abertura e manutenção de contas de pagamento, bem como transações de pagamento, e constitui obrigação regulatória vinculante. O descumprimento configura infração administrativa sujeita às sanções previstas na legislação.

A disposição cria um marco temporal vinculante  para a adequação do mercado, exigindo das instituições supervisionadas revisão de cadastros, due diligence de contrapartes e ajustes contratuais antes do prazo final.

4. Resolução BCB nº 521/2025 – A Inserção no Mercado de Câmbio

A Resolução BCB nº 521/2025 atualiza o regulamento cambial brasileiro e integra os ativos virtuais ao regime oficial de câmbio, em cumprimento ao art. 10 da Lei nº 14.478/2022.

Com essa inclusão, o BCB reconhece formalmente que determinadas operações com ativos virtuais passam a integrar o escopo do mercado de câmbio, atribuindo-lhes natureza cambial para fins de supervisão e reporte. O normativo classifica expressamente como operações de câmbio: (i) pagamentos e transferências internacionais com ativos virtuais; (ii) liquidação de obrigações decorrentes de uso internacional de cartões e meios de pagamento eletrônicos; (iii) compra, venda ou troca de stablecoins referenciadas em moeda fiduciária; e (iv) transferências envolvendo carteiras auto custodiadas.

Essas transações passam a estar sujeitas à rastreabilidade, reporte e limitação de valor, com proibição de uso de moeda em espécie e limite de US$ 100 mil por operação com contrapartes não autorizadas ao câmbio.

A norma introduz ainda cronograma de vigência escalonado:

  • a sujeição das operações ao regime cambial será obrigatória a partir de 2 de fevereiro de 2026;
  • o reporte detalhado de finalidade e contrapartes passará a ser exigido a partir de 4 de maio de 2026.

Por fim, as PSAVs devem realizar due diligence de contrapartes estrangeiras, verificando se estão sujeitas à supervisão prudencial efetiva ou à supervisão consolidada de grupo financeiro. Na ausência dessas condições, devem produzir avaliação documentada de risco, em linha com os padrões de correspondência bancária internacional.

5. Conclusão 

As Resoluções BCB nº 519, 520 e 521/2025 consolidam o novo marco prudencial e operacional do mercado de ativos virtuais no Brasil, alinhando-o definitivamente às estruturas regulatórias do Sistema Financeiro Nacional (SFN) e do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB). O conjunto normativo inaugura uma fase de profissionalização e estabilidade para o setor de criptoativos, priorizando a proteção do cliente, a rastreabilidade das transações e a integridade do sistema. Com isso, o regulador transforma o cumprimento regulatório em fator de credibilidade e competitividade, aproximando definitivamente o ecossistema cripto da lógica de segurança e transparência do sistema financeiro tradicional.


Este boletim tem caráter informativo e não deve ser considerada como aconselhamento jurídico.

11 de novembro de 2025