Mídia (artigos e publicações)

< voltar

11 de maio de 2022 •

O debate sobre a legalidade da redução de impostos na Zona Franca de Manaus

Fonte: LexLatin

Liminar do STF derruba decretos com redução tributária que competem com produtos da região.

O presidente Jair Bolsonaro tentou diminuir a alíquota do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), que em alguns casos chegou a 35%. A medida, considerada arriscada em um ano eleitoral — dado que as contas nacionais já não vão uma maravilha — encontrou um freio na decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes. A sua liminar contra os três decretos presidenciais, no entanto, condicionou a redução apenas aos produtos que não competem com os feitos na Zona Franca de Manaus.

A decisão coloca mais uma vez a discussão tributária dentro do vespeiro da Zona Franca de Manaus — uma política de meio século de facilidades tributárias feitas em troca de um desenvolvimento industrial na principal cidade da região norte da região amazônica. Na visão de especialistas ouvidos por LexLatin, a decisão de Moraes não resolve o problema de desenvolvimento da região.

A queda de braço com a Zona Franca tende a prejudicar mais as empresas brasileiras que as estrangeiras ou o consumidor final, segundo especialistas. “A empresa estrangeira que vai colocar o produto no mercado brasileiro produz em países com custo de importação menor”, diz Carlos Augusto Daniel Neto, sócio do escritório Daniel & Diniz Advocacia Tributária. “E estará sujeita aos mesmos tributos niveladores.”

Mais do que o icônico símbolo da garça que decora a embalagem de alguns produtos no mercado brasileiro, a Zona Franca de Manaus é uma política de Estado, desenhada por militares que temiam a perda de soberania pela então desconectada região amazônica nos anos 1960.

Além das rodovias que passaram a cortar a floresta, a Zona Franca veio como um investimento do governo na região. Para que alguma empresa se interessasse em migrar para o estado, o governo equiparou tudo o que ali fosse produzido a uma exportação, deixando com alíquota zero de quase todos os impostos as empresas e os bens ali manufaturados. Uma primeira fase da  Zona Franca gerou uma zona de duty free na cidade, onde era possível comprar itens sem quase nenhum imposto.

A fama de polo industrial, nos anos 1980, continua até hoje, apesar de parte das empresas já ter deixado o país por conta do cenário desfavorável (como as japonesas Sony e Panasonic). O estado hoje responde por 1,5% do PIB, aproximadamente o mesmo patamar de há 20 anos atrás — a teoria de que a Zona Franca induz a economia fica comprometida com este número.

Mas os benefícios da Zona Franca de Manaus permanecem — e permanecerão inscritos na Constituição até pelo menos a década de 2060. Essa proteção à produção da região já garantiu discussões relevantes na Suprema Corte, como a tese de 2019 que garantiu a empresas fora da Zona Franca de Manaus adquirirem créditos de IPI por comprarem insumos vindos de lá que por si só já não pagam este imposto — uma derrota de R$ 16 bilhões ao governo que beneficiou principalmente a indústria de refrigerantes.

Foi também o que motivou a decisão de Moraes neste caso envolvendo os decretos de Bolsonaro. Para ele, o governo federal errou ao não prever a existência de medidas compensatórias à produção na Zona Franca. Com isso, argumentou, “[se reduz] drasticamente a vantagem comparativa do polo, ameaçando, assim, a própria persistência desse modelo econômico diferenciado constitucionalmente protegido.”

A medida foi comemorada pela classe política amazonense — que, apesar de uma bancada reduzida na Câmara dos Deputados, se une com afinco e de maneira apartidária na proteção dos benefícios. “A decisão do ministro em defesa da Zona Franca foi muito importante para garantir vantagens competitivas”, disse o deputado federal José Ricardo, do PT. “Qualquer redução do mesmo produto em outro estado dá vantagens a estes outros estados.”

A decisão, segundo o deputado, faz justiça a um estado que tem 100 mil empregos diretos e 400 mil empregos indiretos, que sustentam a arrecadação tributária local. “Na hora que uma empresa não tem mais vantagem de estar no Amazonas, uma cadeia produtiva passa a sofrer”, argumenta o parlamentar, que considera a redução tributária algo positivo.

Para os tributaristas que analisam a questão da Zona Franca, a decisão não era esperada. “Ela toma como precedente a ADI 4254, que fala sobre não se retirar benefícios da Zona Franca”, disse Carlos Augusto. “Aqui é o contrário: se dará redução de tributos para o resto dos entes federados. Uma situação até diferente do precedente invocado.”

Outro precedente poderia ser utilizado, na visão do tributarista, era a questão ambiental: apesar dos enormes custos tributários, a existência do polo industrial sobre a preservação da floresta, reduzindo quase 85% o desmatamento no estado — apesar de ser o maior do país, os índices de desmatamento da Amazônia são menores lá que em estados como Pará e Mato Grosso. Com isso, a decisão poderia ser calcada mesmo no princípio da prevenção e precaução ambiental.

“Dizer que o decreto do poder Executivo seria suspenso liminarmente, isso sim é inesperado do ponto de vista técnico”, reitera o sócio do escritório CSMV AdvogadosFlávio de Haro Sanches. Para ele, o Poder Executivo Federal exerceu poderes previstos na Constituição e decidiu reduzir a carga tributária do IPI de forma linear, e isto está dentro de sua competência para definir políticas públicas. “Pode ser um erro decisório a causar possíveis reflexos, queridos ou não, na ZFM, mas não uma inconstitucionalidade.”

Para ele, quem defende a Zona Franca entende que a ideia é manter um certo nível de industrialização naquela região. “O debate existe, pois inicialmente cogitava-se que com um pontapé inicial haveria uma industrialização irreversível, a ponto de que em determinado momento, com o desenvolvimento da própria região, os incentivos poderiam ser diminuídos ou até extintos”, ele argumentou. “O histórico que já temos, e de décadas de incentivos, e mínimas alterações de carga tributária tem potente efeito indutor, seja para levar empresas para lá, sejam para decisão de deixar aquele polo.”