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05 de agosto de 2022 •

As relevantes e recentes modificações no direito imobiliário

Recentemente, o setor imobiliário conheceu novas e impactantes regras. Seja no âmbito legislativo, seja na seara processual. Não obstante manifestações anteriores sobre os temas, inclusive deste Escritório, gostaríamos de repisar alguns pontos da Lei n° 14.382/22 (anterior MP n. 1.085/2021), responsável por trazer significativas alterações nas legislações registral e imobiliária; da Lei n° 14.405/22, que alterou o artigo 1.351 do Código Civil, facilitando a mudança de destinação de Edifícios e unidades imobiliárias; e, por fim, de um julgado do STJ, publicado há cerca de dois meses, mas que assenta ponto de extremo interesse sobre a pretensão de renovar contratos de locação.

Acerca da Lei n° 14.382, de 27 de junho de 2022, cuja finalidade é modernizar, desburocratizar e facilitar a regularização de imóveis no Brasil, listamos abaixo algumas das mudanças mais relevantes para o ramo imobiliário.

a) Criação do SERP:

– Sistema Eletrônico de Registros Públicos – SERP: o SERP será responsável por conectar todas as bases de dados dos cartórios em âmbito nacional, viabilizar o registro e o intercâmbio de informações, dentre outras funções. O cronograma de implantação do SERP não poderá ultrapassar 31.01.23. Facilidade nos procedimentos. Expectativa de maior acesso pelo usuário.

b) Novidades na Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/1973):

– Alteração do procedimento de dúvida registral: com a nova lei, o Registrador de Imóveis deve emitir nota de exigência e registro da matrícula no prazo de 10 dias úteis (ao invés de 30 dias corridos), reduzindo, quase pela metade, o tempo para obtenção de uma resposta. Prazos mais curtos. Expectativa de maior celeridade na solução das demandas.

– Regulação da adjudicação compulsória extrajudicial: a inclusão do art. 216-B permite aos Cartórios registrar imóveis quando a ausência de escritura pública, que comprove a transação imobiliária, decorre de resistência injustificada de uma das partes. Até então, todos esses casos dependiam de ação judicial para obtenção de carta de adjudicação. Com a nova lei, a adjudicação poderá ser feita pelo Registro de Imóveis, desde que apresentados os documentos que comprovem a regularidade da negociação. Houve veto, no entanto, à dispensa de prévio registro na matrícula dos documentos relativos ao negócio. Um passo atrás ao considerarmos a Súm. 239, do STJ. Ainda assim, menos burocracia. Expectativa de eficiência na transferência do direito.

– Impossibilidade de abertura de matrícula oriunda de transcrição, quando não presentes todos os requisitos para tanto: com a nova redação do art. 176, I, §18, a abertura da matrícula oriunda de transcrição ocorrerá sempre que houver a necessidade de se praticar algum ato de registro ou de averbação, salvo quando a transcrição não possuir todos os requisitos para a abertura da matrícula. A intenção é que não sejam mais praticados atos à margem dos registros antigos. Documentos mais firmes em sua essência. Expectativa de maior segurança jurídica.

– Dispensa de anuência de certos credores dos imóveis confrontantes no procedimento de retificação da descrição do imóvel: o inciso III, incluído no art. 213, simplifica a retificação da descrição do imóvel, pois exclui do conceito de confrontantes os titulares de direitos reais de garantia hipotecária ou pignoratícia e os titulares de crédito vincendo em que há vinculação temporária da propriedade imobiliária à operação de crédito financeiro. Menos burocracia. Expectativa de efetividade do procedimento retificatório.

– Possibilidade de o registrador afastar impugnações injustificadas no procedimento da usucapião extrajudicial: a alteração trazida no § 10 do art. 216-A aperfeiçoa o procedimento de usucapião extrajudicial ao permitir que o registrador identifique impugnações injustificadas e não as admita no procedimento, de forma semelhante ao que já acontece no rito da retificação administrativa (art. 213, §5º). Segue a pretensão do legislador: mais praticidade e agilidade nos procedimentos.

– Ampliação da abrangência do regime de cobrança de ato único: a inclusão do art. 237-A e seus parágrafos disciplina normas gerais a respeito da cobrança de emolumentos durante a promoção de empreendimentos imobiliários sob a forma de loteamentos e/ou incorporações. A título de exemplo, com a referida alteração, quando da constituição de garantias imobiliárias (hipoteca ou alienação fiduciária) que envolvam todas as unidades autônomas de uma determinada incorporação imobiliária, haverá a cobrança de emolumentos relativos tão somente ao registro na matrícula mãe, sendo os demais atos praticados nas matrículas-filhas sem cobranças adicionais. Redução de custos. Maior facilidade aos usuários, especialmente os empreendedores.

– Previsão expressa de abertura de matrícula durante a fase de incorporação imobiliária: com a inclusão do art. 237- A, resta superada a discussão quanto à possibilidade de abertura de matrícula na fase de incorporação imobiliária. Trata-se de importante previsão para a uniformização do procedimento registral, já que alguns Estados, a exemplo de São Paulo (item 221, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça), não permitiam que a abertura ocorresse enquanto não fosse promovida a averbação da construção do empreendimento. Procedimentos uniformes. Mais facilidade ao usuário.

– Procedimento extrajudicial de cancelamento do compromisso de compra e venda por falta de pagamento no registro de imóveis: foi incluído o art. 251-A, responsável pela ampliação da desjudicialização do cancelamento dos compromissos de compra e venda por falta de pagamento. Já havia previsão para o cancelamento extrajudicial dos compromissos no âmbito dos loteamentos (art. 32, da Lei n. 6.766/1979). Agora, o procedimento será aplicável a todos os compromissos de compra e venda. Maiores soluções no âmbito administrativo. Presteza e segurança nos negócios firmados (e cancelados).

c) Novidades na Lei de Incorporações Imobiliárias (Lei n. 4.591/1964):

– Simplificação das exigências para averbação da extinção da afetação das unidades não negociadas: as mudanças contidas na lei alteram o art. 31-E da Lei de incorporações imobiliárias passando a prever que, com a quitação integral dos compromissos em relação ao agente financiador do empreendimento e com a averbação da construção, “a afetação das unidades não negociadas será cancelada mediante averbação, sem conteúdo financeiro, do respectivo termo de quitação na matrícula matriz do empreendimento ou nas respectivas matrículas das unidades imobiliárias eventualmente abertas”. Maior praticidade, sem afetar a segurança jurídica.

– Exclusão da obrigação do incorporador de encaminhar trimestralmente informações aos adquirentes nas incorporações a prazo e preço certo: a Lei alterou o artigo 43 da Lei 4.591/64. Com a mudança do dispositivo, a obrigação de envio de informações à comissão de representantes persiste tão somente no que tange ao envio do demonstrativo do estado da obra e de sua correspondência com o prazo pactuado para entrega do conjunto imobiliário. A modificação pretende adequar o dever de informação imposto ao incorporador ao direito à proteção dos dados pessoais. Assim, o envio de informações detalhadas dos adquirentes continua a ser um direito dos interessados, mas deixa de ser uma obrigação trimestral imposta ao incorporador. O dever persiste, porém sem que haja, em lei, exíguo prazo para cumprimento da obrigação.

– Obrigatoriedade de promoção da incorporação imobiliária para aqueles que realizarem atividade de alienação de lote objeto de parcelamento do solo, quando a alienação for vinculada à construção de casas: a Lei também modifica o artigo 68 da Lei 4.591/64. As alterações promovidas passam a incluir no conceito de incorporação imobiliária a alienação de lotes resultantes de parcelamento do solo, quando vinculada à construção de casas isoladas ou geminadas. Com a mencionada inclusão, aquele que lotear/desmembrar, mas realizar as alienações dos lotes vinculados às futuras edificações, ficara sujeito ao regime de incorporação imobiliária, podendo, inclusive, se beneficiar do regime especial de tributação. Nesse caso, a sujeição ao regime da incorporação imobiliária não resultará na instituição de condomínio edilício. Extensão do regime de incorporação imobiliária. Maiores benefícios.

Sobre a Lei n° 14.405, de 12 de julho de 2022, oriunda do PL 4000/2021, apresentado pelo Senador Carlos Portinho (PL/RJ) em novembro de 2021, ela modifica o artigo 1.351 do Código Civil, que, até então, previa que a alteração da destinação do edifício, ou da unidade imobiliária, dependia da aprovação pela unanimidade dos condôminos.

Agora, a Lei define a possibilidade de mudança da destinação do edifício, ou da unidade imobiliária, pela aprovação de 2/3 (dois terços) dos votos dos condôminos em assembleia, sob o fundamento de resguardar a função social da propriedade e prevalência do interesse coletivo.

Também destaca a relevância da Lei para o mercado imobiliário, uma vez que “o setor experimenta forte oscilação relacionada a fatores fáticos, econômicos e geográficos, ensejando uma alternância de lançamentos de imóveis comerciais e residenciais”.

A Lei 14.405/22 traz mudanças significativas para o cenário imobiliário.  Isso porque os Tribunais, até o momento, se posicionavam – em sua maioria – no sentido de que o quórum para alteração da destinação do edifício ou unidade imobiliária deveria seguir o disciplinado pelo Código Civil, ou seja, a unanimidade.

Desde sua publicação ocorreram intensas discussões na comunidade jurídica sobre a alteração trazida, com posicionamentos a favor e contra: os posicionamentos a favor consideram que a Lei, modernizando o capítulo do Condomínio Edilício do Código Civil, pode servir como impulso para o desenvolvimento de novos projetos e programas de revitalização de centros urbanos. Já os posicionamentos contrários levam em conta que a nova legislação pode colocar em risco os direitos de propriedade dos condôminos, considerando que será possível a transformação, por exemplo, de edifício residencial em comercial ou até de uso misto com o quórum de 2/3 dos condôminos.

Por certo, a nova lei trouxe e ainda trará intensos debates, cabendo, por fim, aos nossos Tribunais melhor adequá-la aos casos concretos e dar sua melhor interpretação.

Por fim, destacamos, sucintamente, o recente julgado do STJ acerca do prazo pretendido para renovação dos contratos de aluguéis comerciais nas ações renovatórias.

Em 17.05.2022 fora julgado pela Quarta Turma do STJ o REsp 1.990.552-RS, de relatoria do Min. Raul Araujo, sendo o referido acórdão publicado em 26.05.2022, o qual negou provimento ao recurso especial interposto por uma rede de fast-food reafirmando a jurisprudência da Corte no sentido de que o prazo máximo para a renovação compulsória de aluguel comercial, prevista no artigo 51 da Lei 8.245/91 é de cinco anos, ainda que o contrato inicial tenha duração superior.

Conforme destacado no acórdão proferido pela Turma, “permitir que o inquilino possa obrigar o locador, por meio de ação judicial, a renovar o contrato por prazo mais elevado, desestimularia a celebração de contratos de locação comercial mais longos”.

A referida decisão utiliza como precedente o REsp n° 1.323.410/MG. Assim, o STJ fixa o entendimento sobre a matéria por meio do Informativo n° 737 de 23 de maio de 2022,  considerando que o prazo máximo da renovação compulsória do contrato de locação comercial será de cinco anos, ainda que a vigência da avença locatícia supere esse período, visto que “possibilitar que a ação renovatória de aluguel comercial seja capaz de compelir o locador a renovar e manter a relação locatícia, quando já não mais possui interesse, por prazo superior ao razoável lapso temporal de cinco anos, certamente desestimularia os contratos de locação comercial mais longos”.

Por demais, o relator concluiu que, se atendidos os requisitos legais, esse prazo máximo de renovação compulsória é razoável, sobretudo considerando as alterações econômicas que ocorrem ao longo do tempo, bem como a possibilidade de a renovação ser requerida novamente pelo inquilino, ao final de cada quinquênio.

Na mesma esteira do entendimento firmado pelo STJ, os Tribunais Estaduais vêm adotando firme posicionamento neste sentido, destacando que a disposição prevista no art. 51 da Lei 8.245/91, que traz a redação que o locatário terá direito à renovação do contrato por “igual prazo”, na verdade, deve ser lida como sendo o prazo mínimo exigido pela legislação para a renovação, previsto no inciso II do art. 51 da mesma Lei, qual seja, 5 (cinco) anos e não o prazo do último contrato celebrado pelas partes.

Forçoso, portanto, o locatário atentar-se que, dependendo da extensão da ação renovatória já proposta, pode ser o caso de propositura de nova ação, sob pena de decadência do direito.

Eduardo Azeredo Neto

Luís Fernando de Lima Carvalho