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18/02/2019 • CSMV Advogados

Os novos rumos no sistema de transferências no futebol

FIFA Football Law Review 2018
Os novos rumos no sistema de transferências no futebol

A entidade máxima do futebol – FIFA – Fédération Internationalle de Football Association – sediou em Zurique, na última sexta-feira (15.02.2019), o FIFA Football Law Annual Review (“Annual Review”) , evento em que informou as premissas gerais de uma ampla reforma em seus regulamentos e do sistema de transferências .

O pacote de reformas inclui, de forma insistente, os conceitos de “transparência”, “compliance”, proteção aos clubes formadores e atletas menores de idade pela chamada Task Force Reform da FIFA. Em setembro/2018, os stakeholders do futebol ((i.e. a European Club Association, a World Leagues Forum, a Fédération Internationale des Associations de Footballeurs Professionnels, bem como as associações nacionais, confederações continentais) e oficiais da própria FIFA, apoiados pelos FIFA Football Stakeholders Committee (“o Comitê de Stakeholders”) endossaram as reformas que serão marcantes no sistema de transferência da entidade, e em especial no Regulamento de Transferências da FIFA – Fifa Regulations On The Status and Transfer Of Players (FIFA RSTP).

A necessidade dessa reforma pode ser sintetizada em apenas uma informação do Annual Review: nos últimos 5 anos foram pagos USD 2.14 bilhões aos intermediários, e apenas USD 466 milhões aos clubes formadores.

Portanto, as alterações mais rígidas a serem implementadas atingirão os intermediários, o que inclui, por exemplo, a criação de um sistema de “Clearing House” específico para pagamento de comissões, além de um processo de registro mais restritivo para obrigatoriamente envolver a inscrição de intermediários no Transfer Match System (TMS), com vistas ao controle na participação em cada transferência.

A ideia de criação de uma “Clearing House” centralizada surge com o intuito de estabelecer um sistema que possa centralizar os pagamentos das transferências, garantindo a integridade do futebol e evitando a prática de condutas fraudulentas.

Além da aplicação às comissões de intermediaários, tal sistema de “Clearing House” também deverá ser utilizado nos pagamentos de mecanismo de solidaridade (“solidarity contribution”), a título de indenização por formação (“training compensation”), e do próprio valor da transferência em si, o chamado “transfer fee”.

Os direitos de formação consubstanciados nas indenizações ou compensações que os clubes formadores fazem jus, sejam eles a título de solidarity contribution ou training compensation, igualmente sofrerão mudanças significativas após a conclusão do Task Force Reform, passando a ser recolhidos diretamente pelo clube adquirente à Clearing House no ato da trasnferência e distribuídos pela Clearing House aos clubes formadores resgistrados nos passaportes desportivos dos atletas. Além disso, os valores das indenizações por formação e solidariedade devem sofrer sensíveis aumentos, o que não ocorre desde 2001.

Com o intuito de aumentar a estabilidade dos contratos de atletas e o equilíbrio das competições, a FIFA pretende ainda limitar o número de atletas nos elencos dos clubes, bem como limitar o número de empréstimos de atletas entre clubes. Os números referentes a esses limites ainda não foram divulgados. Entretanto, a intenção é claramente evitar que os clubes mais ricos adquiram jogadores em grande escala para emprestá-los e fazer reserva de mercado.

Com relação à grande expectativa de sinalização quanto à titularidade dos direitos econômicos por terceiros (o chamado “TPO”), que muito se esperava que pudessem passar a ser detidos pelo próprio atleta, nada foi apresentado pelo time jurídico da FIFA no Annual Review. Por outro lado, a FIFA supreendeu quando ascenou quanto à introdução de um sistema eletrônico de transferências, em nível doméstico, no padrão do ITMS, notadamente conhecido como “International Transfer Matching System”, plataforma exclusiva desenvolvida pela FIFA, projetada para as associações membros e clubes de futebol profissionais afiliados com vistas à gestão de dados e padronização de informações, o que seria denominada por DTMS “Domestic Transfer Matching System”.

Por fim, a FIFA informou que haverá uma maior regulação (ou até a proibição) das chamadas “bridge transfers” – transferências pontes, que não possuem caráter preponderantemente desportivo – utilizadas pelos intermediários como forma de burlar o banimento do TPO e permitir a distribuição de direitos econômicos a terceiros.

Em conclusão, é esperado para o futuro próximo a maior reforma do sistema de transferência de atletas desde 2001. Os novos ventos que sopram da FIFA em direção a todos os stakeholders da indústria do futebol serão fortemente sentidos no mercado e terão inúmeros e impactantes reflexos de ordem desportiva e econômica na indústria do futebol. O que se vê é a FIFA ditando as normas do jogo, fora das quatro linhas, de um forma diferente e pautada em novas práticas corporativas de governança e integridade, buscando renovar sua credibilidade tão arranhada pelo FIFA Gate.

André Sica – Sócio especializado em Esportes, Entretenimento e eSports no escritório CSMV Advogados. Mestrado em Direito Desportivo pela Kings College – Londres (2007). Recomendado pela Chambers Latin America (2018-2019), pela Best Lawyers (2018), pela Leaders League (2018) e pelo Who’s Who Legal (2018) por sua atuação em direito desportivo e entretenimento.

Alexandre Miranda – Associado especialista em Esportes e Entretenimento no escritório CSMV Advogados. Mestre pela FIFA (FIFA Master – Humanities, Management and Law of Sport (2015). Presidente do Tribunal Disciplinar Paralímpico do Comitê Paralímpico Brasileiro.
Vice-Presidente da Comissão Disciplinar da CBAt – Confederação Brasileira de Atletismo.